Amava bicicleta.
Era livre e voava alto, feito as borboletas que a acompanhavam.
Cozinhava. Costurava. Cantava. Dançava. Escrevia. Vivia.
Mãe do F., que cresceu lindo e cabeludo.
Vegetariana, sustentável, responsável, consciente.
Quando divulgava um quarto disponível para locação em sua casa colorida, sempre batia uma vontade de compartilhar desse coração generoso mais de perto.
Quando lhe contei que tinha ganho uma bicicleta, me indicou um local para revisar os pneus e me deu de presente um alforje - um tipo de bolsa usualmente presa a uma sela para o transporte de objetos - atualmente bastante usada em bicicletas.
Um projeto seu junto a uma cooperativa de mulheres que confeccionava essas peças com material reciclado vindo de banners inutilizados.
O tempo passou, acabei doando a bike e de brinde foi a mala de garupa, que agora me trouxe um pouco de saudade.
O tempo passou.
Fiquei um tempo sem verificar o Facebook, e o whatsApp através do qual ela soube do meu problema de saúde e lá trocamos apoio e carinho, foi desativado.
Como já tinha feito Mestrado em Barcelona, as últimas notícias que tive foi que estava juntando dinheiro para o seu Doutorado, na mesma cidade, e imaginei que estava ocupada e envolvida com isso, daí, a falta de contato.
Dia 23 de março chegou e o FB me lembrou do seu aniversário.
Entrei no seu perfil, mais por curiosidade quanto às novidades e fui surpreendida.
Surpreendida por ela, da qual quase não se fala, mas que eu achava que até tinha uma certa aceitação e compreensão - a finitude.
O jeito que descobri foi um soco no estômago e há 4 dias estou remoendo uma dor que precisava ficar registrada aqui ou em qualquer outro lugar.
Jamais pensei em entrar no perfil de alguém para parabenizar pelo aniversário de nascimento e perceber chocada e tristemente que já havia dois anos que essa pessoa havia partido.
Interessante (não sei se é a palavra) como tudo isso mexeu comigo.
Não acreditei até chegar na mensagem em que seu filho informou sobre velório e sepultamento em 09/02/2020. Uma noite de sábado a levou em função de um ataque de asma.
Em pensar que uma semana antes ela fazia uma postagem sobre o aniversário do filho e sobre a felicidade de ser mãe há 21 anos.
Mulher forte, de opinião, sorriso largo e olhos marcantes - creio que devia ter traços espanhóis ali e acolá.
Roupas descoladas e coloridas, que eu adorava! De vez em quando, ousava em unhas vermelhas que lhe caíam muito bem, assim como o cabelo lindo de um grisalho corajoso e assumido, também precocemente.
Dentre tantas coisas que vêm povoando meu caminho ultimamente, creio que essa experiência foi a mais marcante, que me trouxe tanto introspecção como reflexão.
Talvez o que console foi o seu legado deixado e a dor de uma pandemia e uma guerra que ela não chegou a conhecer.
Mesmo assim, com certeza gostaríamos de sua voz aqui, ainda alta, rouca e risonha.
Continue brilhando! No meu coração pessoas como você serão sempre estrelas!
In memoriam G.S.M.F ♥