Ter vizinhos é importante, mas nem sempre nos atentamos para isso.
Se moramos em apartamentos, geralmente não sabemos nem o nome das pessoas que moram porta ao lado para pedirmos uma xícara de açúcar emprestado, e se moramos em casas, às vezes os próprios moradores não fazem questão nem de te acenar, desejando um "bom dia".
No meu caso, depois de uma experiência quase traumática, com uma senhora amarga e mau-humorada, que fechava a cortina na minha cara, muita coisa mudou, e pra melhor!
Há mais ou menos um ano e meio, um senhorzinho quase careca, mas com alguns fios de cabelo já brancos que denunciavam a idade avançada, mudou para a casa ao lado.
Sozinho, bigode intacto e ouvido seletivo.
Fala mansa, quase tímida. Andar lento, meio curvado.
Sempre de bom-humor, gosta de música! MPB ou samba de raiz fazem parte do repertório e vive cantarolando.
Na falta de companhia, acompanha todos as notícias. Da TV e da rua.
Sabe de tudo e como nas cidades pequenas, no final da tarde pega o seu banquinho e senta no portão para apreciar o movimento, que passa tão rápido quanto os carros que se amontoam por espaço.
No auge dos seus 83 aninhos, fuma desde os 12 e fazendo as contas, 71 anos de tabagismo às vezes tiram suas noites de sono.
Ontem, me serviu de exemplo. Antes do almoço, gritou, da janela da cozinha, que estávamos sem água, e seguiu assoviando.
Já hoje, me deu um susto. Deixou o sol levantar antes dele. Demorou a abrir a janela e a ligar a TV, e por pelo duas horas fiquei observando, na ânsia de vê-lo com a cuia de chimarrão nas mãos e o sorriso nos lábios.
Depois fiquei sabendo o motivo da demora. Tosse! Mas não tem nada a ver com o Coronavírus. Tem a ver com pulmões que sufocam as histórias de uma vida inteira.
Toda terça-feira cozinha feijão. Não pode faltar. E numa tigelinha antiga, me passa um pouco por cima do muro.
Quando faço bolo ou sagu, aproveito a mesma tigela e a devolvo igualmente cheia de carinho.
Dias atrás, foi doce de abóbora, lindamente colocado num potinho, feito papinha de bebê.
Quando saio, aviso que volto logo. Quando viajo, ele já vai dizendo para eu não me preocupar, pois a espingarda ficará a postos...
Ar, lindo!
Esse faz jus ao nome!
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