segunda-feira, 14 de abril de 2014

Com açúcar e com afeto







A vida dos adultos às vezes parecia tão pálida, que era como se os pequenos tivessem o dever de colorir seus dias fosse com giz de cera, lápis de cor ou tinta Guache. Alguma cor precisava surgir na tela branca , nem que fosse alguma inconveniente manchinha de suco de uva  no avental da escola ou no marrom do barro que se agarrava insistente, com unhas e dentes no solado da minha charmosa conguinha vermelha, bamba branquinho ou dos famosos kichutes dos meus irmãos.

Mata fechada, mata molhada, mato queimado, fizesse sol ou fizesse chuva, antes mesmo do arco-íris dar suas pinceladas no grandioso céu, já estávamos lá, naquele cenário perfeito para criaturinhas que cresciam nas alturas de suas fantasias e aventuras.

Éramos donos daquele paraíso a céu aberto e queríamos simplesmente morar lá, mas para isso precisaríamos de uma casa. Tijolos não havia, mas por outro lado, imaginação não faltava. Enquanto um procurava uma árvore com uma grande e generosa sombra, outro buscava pedaços de paus e gravetos, enquanto eu era incumbida de pegar emprestado um lençol do guarda-roupa da minha mãe , que podia ser velho, mas sem “goteiras”.

E a festa estava feita! Uma cabana era tudo o que precisávamos para nos garantir o aconchego e a proteção de um teto sobre nossas cabeças, um perfeito esconderijo no meio da floresta.

Mas de vez em quando recebíamos a visita da chuva e o jeito era sonhar com a televisão do vizinho. Éramos  p r o i b i d o s  de incomodar o vizinho, mas como criança que é criança desconhece o perigo dessa palavrinha difícil, sempre dávamos um jeitinho de improvisar um cinema na casa alheia e a felicidade estava completa quando ainda tínhamos uma bacia de pipoca quentinha como companhia.

Ao lado de nossa casa pequena e simples, havia uma casa bonita onde morava outra vizinha de nome Margareth. Uma jovem loira de cabelos longos que nos acostumou muito mal com o fornecimento de chicletes tutti frutti, e que ficava bastante irritada toda vez que resolvíamos gritar por tal guloseima através do muro que separava as duas casas, mas eu gostava dela. Gostava tanto, que quando ganhei uma boneca do tamanho de um bebê, que chorava e tudo, batizei-a com o nome dela, numa espontânea e ingênua homenagem.

Margareth, a pobre coitada da boneca, também numa ingênua e espontânea iniciativa minha, teve os cílios, as unhas e os cabelos delicadamente cortados (porque com certeza voltariam a crescer) e a boca, sim, a boca, antes fechada, foi aberta... agora poderia se alimentar e ainda chupar chupeta, feito um bebê de verdade.

Sempre tivemos pouquíssimos brinquedos, mas creio que num milagre de Natal, Papai Noel reconhecendo que eu era uma boa menina, me trouxe um fogãozinho de alumínio com panelinhas, uma chaleirinha e uma forminha de pudim, que eu simplesmente amava. Nas aventuras da culinária, nada me impedia de “cozinhar”, nem mesmo a falta de fogo. Bastava colocar um punhadinho de arroz na panelinha e acrescentar um pouquinho de água... em poucos minutos o arroz estava pronto para ser saboreado. Margarete adorava, mas como o tempo, essa comida toda que não estava sendo adequadamente digerida, precisou ser removida, e numa cirurgia de emergência, Margareth teve parte de suas costas retirada. O trauma foi tão grande, que desde então parou de chorar.

Bolinha de gude, Carrinho de rolimã, Amarelinha, Caçador ou Queimada,  Esconde-esconde, Polícia e Ladrão, eram tantas as brincadeiras, mas como que ainda não suficientes, ainda nos divertíamos dançando na sala da vizinha ao som de Tina Charles ou então, não tirávamos os ouvidos de um radinho de pilha da minha mãe, sintonizados na Rádio Atalaia AM,  brincando de “Qual é a Música”, influenciados pelo quadro do domingueiro e ainda contemporâneo Sílvio Santos, onde o cantor Ronnie Von apareceu  e foi amor à primeira vista!!!

Delírios à parte, anos mais tarde, ganhamos uma pequena TV preto e branco que era considerada a melhor das invenções para os dias de chuva ou inverno.

Daniel Boone, Viagem ao Fundo do Mar, Terra de Gigantes,  Túnel do Tempo, Perdidos no Espaço, The Waltons, Bonanza, Rim-Tim-Tim, Jeannie é um gênio, A Feiticeira, A Mulher Biônica e  Lee Majors como O Homem de Seis Milhões de Dólares,  foram algumas preciosidades que nos acompanharam naqueles doces anos, cujo cheirinho ainda se faz presente quando a pipoca pula na panela, fazendo a alegria da criançada...


 

Pxiuuuuuuuuuu!!! O filme já vai começar!!!...

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