A vida dos adultos às
vezes parecia tão pálida, que era como se os pequenos tivessem o dever de
colorir seus dias fosse com giz de cera, lápis de cor ou tinta Guache. Alguma
cor precisava surgir na tela branca , nem que fosse alguma inconveniente
manchinha de suco de uva no avental da
escola ou no marrom do barro que se agarrava insistente, com unhas e dentes no
solado da minha charmosa conguinha vermelha, bamba branquinho ou dos famosos
kichutes dos meus irmãos.
Mata fechada, mata
molhada, mato queimado, fizesse sol ou fizesse chuva, antes mesmo do arco-íris
dar suas pinceladas no grandioso céu, já estávamos lá, naquele cenário perfeito
para criaturinhas que cresciam nas alturas de suas fantasias e aventuras.
Éramos donos daquele
paraíso a céu aberto e queríamos simplesmente morar lá, mas para isso
precisaríamos de uma casa. Tijolos não havia, mas por outro lado, imaginação
não faltava. Enquanto um procurava uma árvore com uma grande e generosa sombra,
outro buscava pedaços de paus e gravetos, enquanto eu era incumbida de pegar
emprestado um lençol do guarda-roupa da minha mãe , que podia ser velho, mas
sem “goteiras”.
E a festa estava feita!
Uma cabana era tudo o que precisávamos para nos garantir o aconchego e a
proteção de um teto sobre nossas cabeças, um perfeito esconderijo no meio da
floresta.
Mas de vez em quando
recebíamos a visita da chuva e o jeito era sonhar com a televisão do vizinho.
Éramos p r o i b i d o s de incomodar o vizinho, mas como criança que
é criança desconhece o perigo dessa palavrinha difícil, sempre dávamos um
jeitinho de improvisar um cinema na casa alheia e a felicidade estava completa
quando ainda tínhamos uma bacia de pipoca quentinha como companhia.
Ao lado de nossa casa
pequena e simples, havia uma casa bonita onde morava outra vizinha de nome
Margareth. Uma jovem loira de cabelos longos que nos acostumou muito mal com o
fornecimento de chicletes tutti frutti, e que ficava bastante irritada toda vez
que resolvíamos gritar por tal guloseima através do muro que separava as duas
casas, mas eu gostava dela. Gostava tanto, que quando ganhei uma boneca do
tamanho de um bebê, que chorava e tudo, batizei-a com o nome dela, numa
espontânea e ingênua homenagem.
Margareth, a pobre coitada
da boneca, também numa ingênua e espontânea iniciativa minha, teve os cílios,
as unhas e os cabelos delicadamente cortados (porque com certeza voltariam a
crescer) e a boca, sim, a boca, antes fechada, foi aberta... agora poderia se
alimentar e ainda chupar chupeta, feito um bebê de verdade.
Sempre tivemos
pouquíssimos brinquedos, mas creio que num milagre de Natal, Papai Noel
reconhecendo que eu era uma boa menina, me trouxe um fogãozinho de alumínio com
panelinhas, uma chaleirinha e uma forminha de pudim, que eu simplesmente amava.
Nas aventuras da culinária, nada me impedia de “cozinhar”, nem mesmo a falta de
fogo. Bastava colocar um punhadinho de arroz na panelinha e acrescentar um
pouquinho de água... em poucos minutos o arroz estava pronto para ser saboreado.
Margarete adorava, mas como o tempo, essa comida toda que não estava sendo
adequadamente digerida, precisou ser removida, e numa cirurgia de emergência,
Margareth teve parte de suas costas retirada. O trauma foi tão grande, que
desde então parou de chorar.
Bolinha de gude, Carrinho
de rolimã, Amarelinha, Caçador ou Queimada,
Esconde-esconde, Polícia e Ladrão, eram tantas as brincadeiras, mas como
que ainda não suficientes, ainda nos divertíamos dançando na sala da vizinha ao
som de Tina Charles ou então, não tirávamos os ouvidos de um radinho de pilha
da minha mãe, sintonizados na Rádio Atalaia AM,
brincando de “Qual é a Música”, influenciados pelo quadro do domingueiro
e ainda contemporâneo Sílvio Santos, onde o cantor Ronnie Von apareceu e foi amor à primeira vista!!!
Delírios à parte, anos
mais tarde, ganhamos uma pequena TV preto e branco que era considerada a melhor
das invenções para os dias de chuva ou inverno.
Daniel Boone, Viagem ao
Fundo do Mar, Terra de Gigantes, Túnel
do Tempo, Perdidos no Espaço, The Waltons, Bonanza, Rim-Tim-Tim, Jeannie é um
gênio, A Feiticeira, A Mulher Biônica e Lee Majors como O Homem de Seis Milhões de Dólares, foram algumas preciosidades que nos acompanharam naqueles
doces anos, cujo cheirinho ainda se faz presente quando a pipoca pula na
panela, fazendo a alegria da criançada...
Pxiuuuuuuuuuu!!! O filme já vai
começar!!!...
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