quinta-feira, 24 de setembro de 2015

IM (perfect day)




Horário de rush. Ônibus lotado. Motorista atrasado.

De repente, entra ela, ofegante, maquiada, salto alto e olhar triste.

Chovia lá fora e parece que também inundava aquele coração igualmente nublado.

Olhou rapidamente para o interior do veículo e parecia vê-lo, dentre tantos. 

Tantos desencontros.

No fone de ouvido, Lou Reed e lembranças...

Palavras que antes saíam espontaneamente, agora ficam trancadas e a fazem prisioneira... não tem vontade de falar, não tenho vontade de sonhar.... apenas sente vontade grande de chorar, e chora.

Chora e as lágrimas que escorrem por sua face se assemelham aos pingos que deslizam pelo vidro da janela, tentando entrar...

Fica a pensar se trata-se de uma depressão tardia ou uma menopausa precoce, mas o fato é que sente saudades do brilho dos seus olhos...

Tudo parece parado, apesar do ônibus em movimento... olha em volta e não vê sentido em nada.

Nunca pensou que a essa altura da vida, aos 40 anos, pudesse se sentir tão indefesa e frágil feito uma criança de 5 precisando de um colo de mãe.

Não conseguia conversar com as pessoas que mais amava, e FALAR lhe fazia falta feito AR.

Chovia lá fora e ali dentro, sem previsão de sol para amanhã.

Pessoas lhe ofereciam lugar, mas não escuta e nas curvas do trajeto pra casa, tudo o que conseguia era um equilibrar e desequilibrar.

Cansou dos "ses" da vida que impediam a vida de andar pra frente, de se fazer algo que a resgate a felicidade e a ajudasse a fechar tantas feridas ainda abertas.

Sentia-se invisível, mas ainda estava ali.E a vida a lembra que ela é curta e às vezes pode ser tarde demais...

Aos poucos o ônibus vai esvaziando e chega ao seu destino.

Finalmente senta e parece se acalmar. 

Ele se aproxima.

Ponto final. Ônibus errado.


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

FALTA DE AR(te)




Carecia de cor.

Tudo lembrava sombra e escuridão naquele ambiente doentio que ardia em febre.

Cada canto da madeira escura escondia um segredo, e tudo o que ele sentia era que aquele casarão era como uma ilha, cercada de mistérios por todos os lados.

As escadarias eram ocupadas por vultos confusos que deslizavam pelo corrimão como crianças travessas em férias na casa dos avós.

Lá fora, o vento soprava nervoso e as árvores dançavam em movimentos desordenados a coreografia desconhecida.

O céu, reunindo todas as cores numa só, anunciava uma grande tempestade e os trovões chegavam como bombas, ameaçando transformar tudo em cinzas.

A essa altura, o cheiro de gás já era tragédia anunciada e aos poucos, a fumaça também já subia as escadas.

Mas antes que tomassem conta do quarto que cheirava à mofo, cujas paredes eram disputadas por traças e baratas, observadas por pequenos morcegos que se
agarravam ao teto, a chuva chegou para aliviar as chamas e  ele conseguiu chegar diante de uma velha porta, trancada por uma grande e frouxa corrente que a tornava prisioneira dela própria.

Por uma larga fresta, um quarto abafado e nublado se revelava e nele olhos se perdiam em coisas guardadas, amareladas,  que não permitiam sonhar com um futuro sem manchas.

No parapeito da janela, palavras presas ameaçavam se jogar, ansiando por um grito de liberdade e num canto estreito, se deparou com um par de olhos tristes, que não aprendeu a sorrir, uma garganta que vomitava soluços abafados, amores reprimidos e a vida, esquecida, que nunca foi vivida.

Os olhos se perderam, o levaram para longe, e não o trouxeram de volta. Preferiram ficar lá não-sei-onde, donde a fantasia fazia as vezes da real-idade.

Faltavam sonhos, faltavam amigos, faltava paz, faltava luz...


E há quem diga que era só acender a lâmpada...

sábado, 27 de junho de 2015

ENVELHE SENDO






Então o tempo passa e o corpo véio de guerra começa a padecer e nem sequer é no paraíso.

O cabelo resseca, os fios perdem a cor original, a pele descama, os pelos começam a rarear e clarear, o coração dispara, a bexiga cai, a imunidade também, e as rugas... ah, as rugas! Vão aparecendo sem pedir licença e sorte dos olhos, que vão ficando mais fracos e não conseguem perceber a diferença que diariamente mostra o espelho... sábia natureza!

Sem falar na coluna.... lombar, torácica, cervical, ciático, artrite, artrose... aliás, preciso checar a diferença entre essas duas últimas.

Aquela caixa que você carregava sem problemas anos atrás, aquela mala que você puxava sem grandes esforços aeroporto afora, já pesa mais que os 23 ou 32 quilos permitidos pela companhia aérea.

E junto com ela, mais uma vez, PESA a consciência pelos muiiiiiiiiitos quilinhos adquiridos ao longo das últimas três décadas.

Bem-dita década de 90, quando no auge dos meus vinte e poucos anos, tinha disposição e garra pra fazer aeróbica todo santo dia,  fizesse chuva, chovesse sol.


Os anos passam diante dos nossos olhos, e eles, ocupados com outras paisagens, não percebem o excesso de bagagem.

Não bastasse a caixa pesada e a mala abarrotada, ainda tem a carga emocional, e d e f i n i t i v a m e n t e, não há sistema que não fique nervoso.

E nervoso ficando, vem a ansiedade, o medo, o pânico, o choro diante de uma estrada escura ou de uma monstruosa máquina chamada avião.

E com o choro vem a tristeza, que com ela carrega a depressão, e aí danou-se!

Aventais brancos entram em ação e novos amigos como o sobrenome “il” são apresentados.


Antes bem acompanhados, que sós!

terça-feira, 23 de junho de 2015

QUADRO NEGRO EM LUTO


Pra não cair no esquecimento 
Massacre de professores no dia 29/04/2015, em Curitiba, Paraná, Brasil




Cidade ecológica
Vinte e nove de abril
Sem voz, sem eco, nem lógica
Vai a óbito uma educação febril
                                                     
Com o massacre ao professor
Homem honesto e trabalhador
Correram suor, lágrimas e dor
E um lacre se abriu ao horror

Antes azul,  verde e amarela
Agora vermelho encarnado
Uma mancha, uma ferida, um elo
E mais um professor desvalorizado 

Ordem e Progresso foi apagada
Brilho da estrela perdida
Mancha que fica estampada
Numa canção esquecida

Bombas e spray de pimenta
Contra giz, lápis e avental
O governo nada comenta
E o professor ruma ao hospital

Marcas pra sempre deixadas
Rixas ferozes feito bicho
Salas de aulas fadadas
A míseros pintos no lixo

A desunião fez a força
Numa quarta-feira de abril,
A educação foi à forca
Numa pátria nada gentil

Balas que adoçam as bocas
Balas que ferem as almas
Balas desembrulhadas e ocas
Em mãos que não batem mais palmas

Apagaram todo o respeito
Balas de borracha à sorte
A Educação se despede num leito
Num berço esplêndido de morte

Na rua, nua, um tributo
Canção em total desarmonia
A luta se transformou em luto
Em plena e absoluta covardia 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Amor à primeira vista





Chovia muito.

Aliás, acho que eu nunca tinha visto tanta água na minha tão curta existência.

Assim como tantas outras pessoas, você também veio prestigiar a festinha de um bebê que a gente  nem podia ver, pois ainda estava encondidinho na barriga da mamãe dele.... e eu que pensava que ela tinha engolido uma melancia!

Em meio a comes e bebes, guloseimas essas que eu ainda não conhecia, lembro que a festinha terminou e que você, junto de sua doce amiga de olhos azuis se aproximaram de minha mãe e ficaram surpresas ao saber que aquela “mocinha” tão jovem tinha dado á luz uma ninhada de 10, mas que só eu e meu irmãozinho sobrevivemos.

Lembro como se fosse hoje, que nos puseram numa caixinha e de repente viramos como que a atração especial de um espetáculo. Todo mundo se agachava e nos tocava com afagos e carinhos. Meu irmãozinho sempre foi mais tímido, quieto e preguiçoso e não respondia muito aos muitos toques que nos acalentavam, mas eu... adorava mordiscar todo e qualquer que se aproximava do meu pequeno corpinho.

Minha mãe não podia ficar mais conosco e estávamos prontos para aceitar um lar que nos acolhesse e por sorte minha, você não resistiu aos meus encantos, e resolveu me levar com você!

Prepararam pra mim uma marmitinha, um pedacinho de cobertor e uma caixinha, e lá fui eu pro meu primeiro passeio de carro. Gostei, mas assim que começou a escurecer, misturado àquele barulhinho de chuva foi me dando um soninho e acabei dormindo a viagem toda.

Durante o trajeto pra sua casa, você tentava achar um nome pra mim, e foi com a ajuda da “madrinha” que escolheram NICOLAU. Adoro meu nome, apesar de muita gente não concordar com essa coisa de cachorro ter nome de gente, mas você também tem nome de cadela ou gata, não? Então está tudo certo.

Imagine que coincidência, vocês cogitaram me chamar de FRED ou FREDERICO... sabia que é o nome do meu suspeito pai? Sim, suspeito, pois nunca tivemos certeza absoluta. Já minha mãe tem um nome meio complicado de se dizer nos dias de hoje... seria afrodescendente, no feminino, diminutivo.... captou?

Pra sua surpresa, assim que chegamos em sua casa e você me colocou no chão, comecei a chorar desesperado, e não sei quem ficou aflito, se eu ou você.

Depois você me disse que não imaginava que um serzinho de 20cm, que cabia na palma da mão pudesse chorar, latir, gritar daquele jeito, mas acho que faz parte da minha personalidade, sou assim, INTENSO, desde pequeno. Ainda falando em personalidade, sou muito agitado e esperto feito minha mãe, apesar de cor de café sem leite, mas tenho o porte físico atlético do meu pai, apesar dele lembrar um doce caramelo.

De cara, adorei a casinha que seu irmão improvisou pra mim, feita de papelão, mas com muito carinho... me ajudou a me sentir em casa.

Pouco tempo depois, e eu, já mais adaptado, você me levou pra tomar a minha primeira vacina... Quase fiz xixi de tanto medo, mas aguentei firme! Devido ao meu histórico de sobrevivência, Tia Isis, a veterinária, sugeriu que eu também tomasse algo pra ajudar na minha imunidade... então, pra tem estava estreando nas picadas, foram duas no mesmo dia. Diante disso, eu poderia ficar um pouco dolorido e ia dormir bastante. 

De fato, dormi assim que cheguei, e ao acordar e sair da casinha, minha perninha estava mancando e você, coração mole, chorou por mim.... se eu pudesse, lhe diria que era um pouco de  manha minha, mas meus latidos se fizeram entender.

Dentre poucas e boas, gostaria de lhe pedir perdão por todos os arranhões em suas mãos, calcanhares e por todas as calças e vestidos que rasguei ao longo dos primeiros 12 meses... mas foi por amor e sei que você compreendeu e não guarda mágoas de mim.

Peço desculpas também por ser muito afoito e ter engolido aquela bolinha de borracha que seu irmão me 
deu de presente.... ele precisa ser avisado que é muito perigoso dar brinquedos pequenos às crianças travessas... por sorte consegui devolvê-la, depois de muito sufoco. Acho que essa lição eu aprendi.

Sabe, acho que hoje já sou um cachorro melhor... pelo menos tenho pulado menos nas suas pernas, mas ainda não resisto a um colinho toda vez que você se agacha e faz um carinho nas minhas orelhas.

Tento assumir a maturidade dia-a-dia, mas percebo que à medida que a gente vai crescendo, os “vícios” vão aparecendo na vida da gente, e hoje me sinto totalmente dependente da bolinha de borracha.

Por um lado é bom, pois deixo de pensar em besteiras nas horas vagas, mas sei que quando a gente só pensa naquilo é porque há algo de errado... será que além da veterinária eu também terei que ir a um psicólogo?

Gostaria também de lhe agradecer a companhia da minha irmãzinha Meg, que chegou na hora certa de não me deixar muito sozinho. Só lamento uma coisinha, ela não gosta de brincar de bolinha comigo... acha que é coisa de menino.

Ah! Não poderia terminar essa história sem dizer que adoro quando você me chama de MEU AMOR, principalmente  quando estou dodói ou quando você chega pra nos dar bom dia.... me sinto tão importante!

Seus colegas que me desculpem, mas quem foi que disse que não existe amor à primeira vista?

Assinado,

NICOLAU, Nico ou apenas Ni (depende da travessura)

segunda-feira, 9 de março de 2015

Coração só ou Só coração




Dia Internacional da Mulher, e quando todos os olhos se voltam pra ela,
me sinto sozinha, talvez como muitas, 
marginalizadas, sofridas, esquecidas.

Vítima não! Sensível, à flor da pele.

Solidão que se perde no burburinho de outras,
isolada, feito uma  ilha, apesar de cercada por poesia, fotos, dança e música de todos os lados.

Telespectadora de sorrisos anônimos,
distante e carente de um afeto com nome e sobrenome.

Carente de um afago que se distancia e com medo de não mais alcançá-lo,
feito balão de menino que num piscar de olhos alcança o azul do céu,
e se converte em lágrimas de adeus.

Tanto tempo, e ainda me é difícil compreender o silêncio,
quando a alma ânsia por palavras, de preferência, doces... doce ilusão!

A vida é curta. O amanhã a Deus pertence.

Como pensar num futuro, se nem se concretiza o presente???

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Ilha da Fantasia




Natureza farta e generosa.
Sol, mar e verde se fundiam nas trilhas que levavam ao desconhecido.
Areia nos pés e olhos atentos eram acolhidos pelos mosquitos que mordiam, beijavam e lambiam sem pudor algum.
Malas modernas, mochilas de última geração, câmeras e celulares se confundiam em meio ao rústico que repelia a tecnologia.
O canto dos pássaros era registrado por um coração que batia no mesmo ritmo da cantoria matinal. Os dias já acordavam com música nos ouvidos da alma.
Árvores frutíferas se misturavam àquelas que não traziam esses presentes, mas encantavam igual, e maracujás, limões e laranjas desde cedo já caíam dos pés, sugerindo deliciosos sucos na mesa do café da manhã.
A cozinha, orgulhosa, anunciava o aroma da alegria de um bolo de fubá saindo do forno e o melhor companheiro, sem ciúme algum, já se exibia, num lindo e antigo bule de chá.
Frutas frescas se acomodavam, lado a lado, numa linda cesta feita artesanalmente e ali ficavam expostas, à espera de serem degustadas.
Fatias de pão fresco eram delicadamente cortadas e organizadas também numa cesta, onde cobertas por uma toalhinha xadrez,  aguardavam o derreter da manteiga ou o deslizar da geleia.
Olhos sonolentos e cabelos despenteados aos poucos iam se recompondo, e em poucos instantes estômagos vazios e mau humorados, sorriam.
E sorrindo, partiam para mais um dia de descobertas na Ilha da Fantasia.


CONTRADIÇÃO




Céu sem nuvens
Mar sem ondas
Floresta sem insetos
Ruas sem ruídos
Vento sem cabelos despenteados
Riscos sem consequências
Mel sem abelhas
Abelhas sem ferrão
Sofrimento sem dor
Crescimento sem aprendizado
O novo sem o desconhecido
Voos sem dor de barriga
Reencontros sem borboletas no estômago
Música sem movimento
Mágica sem truques
Desenho sem cor
Carnaval sem folia
Ilha sem fantasia