quinta-feira, 7 de março de 2024

ferIDAS

 


Coração inquieto.

Me sinto como uma criança,

que desajeitada,

tenta se acomodar numa cadeira alta.

Os pés balançam.

Falta chão.

Em meio aos gritos que saltam pela janela,

desço da cadeira.

Me escondo em baixo da mesa.

Um avião voa tão rasante

que sinto o tilintar dos copos de vidro de requeijão

em cima.

A madrugada chega.

Tento descansar,

mas meus sonhos 

são sacudidos  por uma torneira aberta

que escancara uma ferida 

que imaginei fechada.

Lágrimas esquecidas.

Sorrisos guardados.

Dor que ainda pulsa e

uma criança interior machucada.


sexta-feira, 1 de março de 2024

Um dia comum




O sol acordava.

Disposto.

Sobre a cama,

um vestido amarelo,

totalmente exausto.

Porta fechada.

Da janela aberta do vizinho,

um aceno de bom dia.

Retribuo com um sorriso

da cor do vestido.

A perna esquerda mancava

e lembrava que

a marmita,

a sombrinha,

a necessaire,

o celular,

a agenda,

os óculos e a

carteira, vazia,

pesavam no ombro.

No bolso do casaco

um livro,

cheio de sonhos.

 

 

 




Desabafo

 


Diferenças que gritam.

Semelhanças que se calam.

Falta ar.

Falta espaço.

Me recolho.

Adormeço.

Sonho.

Não existo.

Insisto!

Passo um café.

Deito na rede.

Fecho os olhos,

aguados.

Olho pra dentro

e enxergo a dor

que passou por aqui.

Desligo a TV.

Apago a luz.

Acendo uma dúvida.


quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Sábado



Hoje fui à feira.
Assim. Rapidinho.
Banca do Roberto.
Combinei com o sol.
Não apareceu.
Segui na companhia das nuvens
e agradeci a sombra.
A lista trazia apenas cinco itens,
mas não resisti àquele pacote de quiabo
olhando pra mim.
No quiosque do pastel,
famílias inteiras com seus filhos de 4 patas.
Uma mesa me chamou a atenção.
Mãe, pai, bebê e dois cães encantadoramente
sentados ao lado.
Senti vontade de tirar uma foto,
mas fiquei com vergonha de pedir autorização.
Voltei pra casa com a sacola pesada
para meus ossos frágeis.
Fui parando para aliviar o peso no chão,
mas também para registrar o caminho.
A paisagem é sempre a mesma,
mas meus olhos as fazem diferentes.
Ah! E tudo isso num vestido rosa,
com a franjinha da mesma cor.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Desejo

 

 

Vontade de morar no mato.

Tirar água do poço.

Andar descalça.

Pisar no simples da vida.

Conversar com os passarinhos.

Desabafar na companhia das estrelas.

Vontade de fugir de casa

levando na mala

apenas

livros, papel, caneta e

silêncio.

Vontade de mergulhar

na fantasia

me afogar nos clássicos

e me encontrar

num drama

com final feliz.

Vontade de tomar chuva

banhar os pés no rio

tomar água da bica.

Vontade de

deitar numa rede

a dor mecer

e  a cor dar  encantada,

novamente...

no colo da Mãe Natureza,

protegida.

 

  

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Visita


O nome dela é Maria. Como muitas.

Mulher preta, como tantas outras.
Conta com mais de 8 décadas na escola da vida, mas não escreve.
Criou 5 filhos, ajudou na criação de alguns netos e hoje já tem 2 bisnetos de 20 e 16 anos e uma princesa de 1 aninho.
Vaidosa, corta o cabelo com frequência, vai às novenas na igreja do bairro e adora um bingo com as amigas.
Faz crochê. Como ninguém.
Adora uma receita. Seja de um novo ponto ou de um novo prato. Não sei como ela chega lá, mas o Sr. YouTube explica tudo e ela aprende direitinho.
Hoje em dia o joelho judia um pouco, mas seu "carrinho andador" continua lhe ajudando a ter dignidade.
Faz um bolo fofinho que só. Diz que o segredo está em bater as claras separadamente e peneirar as gemas.
É dona de um sorriso largo, adora uma boa prosa e é fã de Roberto Carlos, que segundo me informou, está vindo aí para mais um show.
Anseia por visitas, cada vez mais raras, e não sai da janela na esperança de uma boa alma para compartilhar um café, um suco, uma água.
Antes de ir embora ainda a acompanhei na novela das 6h30. Disse que dorme tarde, atualmente depois do BBB. Anda mais atualizada do que eu.
Cheguei com uma plantinha, cuja muda plantei numa caneca, onde escrevi bem grande o seu nome, que consegue assinar.
Na saída, mostrou um abacateiro povoado, cactos que crescem e uma horta onde tem até alho poró.
Saí de lá com algumas folhas verdes. Terei salada de couve crespa para o almoço. Desconhecia.
Infelizmente ela não pode ler esse texto, mas que bom que pode ouvi-lo. Senti-lo.
Afinal de contas, hoje ela é a protagonista dessa história.