sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Doce lembrança





1964. Nasceu.
Novembro de Primavera.
De flores e morangos.
Dia lindo. Dezessete.
Doze meses depois,
bolo em forma de coelho,
todo nevado em coco fresco e
com laço vermelho no pescoço.
Presente da amiga da mãe
que fazia bolo pra fora.
Única lembrança.
Único feito.
Os irmãos não tiveram 
a mesma sorte.
Coisa de primeiro filho.
Menina. Olhos amendoados.
Chuquinha no cabelo.
Quadro na parede.
Não viu.
Não lembra.
Contavam.
Mas parece que foi ontem
e com todo o amor que só uma mãe
tem no primeiro aninho da filha.

Mãos dadas




Noite de lua cheia.
Pés de jabuticaba, manga, limão, laranja, pêssego e goiaba permeavam o terreno, de mãos dadas.
A casinha era simples, feito hotel 3 estrelas, mas o amor deles valia mais que uma constelação inteira.
Ele, ainda deslizava elegantemente pelas curvas de seus 87 invernos, enquanto que ela continuava se emocionando a cada novo outono, cada vez mais encantada pelas folhas que caíam e mudavam de cor feito cabelo branco exausto dos lilases desbotados, no auge de seus amorosos seus sete ponto oito.
Eram diferentes. Em tudo. Desde a cor da pele até os sonhos que se embalavam em canções distintas, mas cujos passos, em determinado momento, ainda se encontravam e cujas mãos ainda se entrelaçavam.
Seu rosto escuro irradiava tanta luz, que os olhos dela, cor de mar no silêncio daquele que apenas aprecia calado a sua grandiosidade, brilhavam ainda mais.
Ele levantava bem cedo, antes mesmo do dia despertar e logo se punha a preparar o chimarrão, num ritual que sempre acordou com suas manhãs, frias ou não. Já ela, ainda se mantinha um pouco mais preguiçosa, mesmo diante das dengosas rugas que em momentos especiais eram prazerosamente salientados por um blush rosáceo, presente de uma amiga querida de longa data.
Mas o relógio não falhava e era cúmplice dessa parceria. Assim que a erva confortavelmente se acomodava na cuia e a água já gritava insistentemente na cozinha, aquele primeiro momento a dois do dia era lembrado com o carinho rotineiro do cuco que habitava aquela parede há anos.
Sem esperar muito, ela aparecia sempre arrumada. Cabelo no alto de um coque, faces rosadas, lábios umedecidos por um moderno gloss,  meia-calça agasalhando as pernas já cansadas, vestido florido devidamente passado e sobre os ombros, um velho, mas aconchegante xale de tricô feito por ela.
Era sempre recebida por ele com um "bem-vinda a mais um dia minha querida, dormiu bem?"  
Convidada a mais 24 horas juntos, iniciavam a compartilhada jornada.
A mesa era de madeira feita pra durar e a toalha que a envolvia, feito abraço de amigo saudoso, era do mesmo tecido que vestia a janela, numa combinação que ornava por demais.
O primeiro gole era sempre dela, num cavalheirismo de aguar os olhos, e sempre vinha acompanhado das doces palavras, pedindo cuidado para ela não se queimar.
As mãos, apesar de manchadas pelos afazeres da vida, ainda traziam calor e aconchego e ao envolverem juntas aquela cuia rotineira, eram de encantar qualquer olhar triste que aparecesse para uma espiadela.
E ali ficavam, por pelo menos uma hora, embalados, fosse pelo canto dos assíduos pássaros, fosse pela companhia da chuva que às vezes vinha, e mesmo sem convite, era muito bem recebida.
Na sequência, outros coadjuvantes, mas nem por isso menos importantes, se juntavam à cena, e na presença do pão caseiro, do biscoito de nata, do leite fresco, da manteiga e da geleia de uva, saboreavam um golinho de café recém-passado, ao som dos causos que não cansavam de se repetir e repetir e descansavam.
Finalizada essa etapa do dia, ela era convidada a sentar-se no sofá, com o gatinho no colo, enquanto ele tirava a mesa e se colocava a alegremente a lavar a louça e a cantarolar baixinho a sua alegria pela vida. Sobre os personagens à mesa, apenas um paninho por cima, feito cortina baixando esperando o segundo ato da peça.
Em meio a carinho e cafunês, ela, em geral, adormecia antes do gato e ele rapidamente vinha com um leve e cheiroso cobertor a envolvê-la. Não podia se resfriar.
Cuco gritando. Gato miando. Ela acordando e ele sorrindo.
Agora sim estavam prontos para mais um domingo.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Amarelo-manga








9 anos era a idade dele.

Pouca idade, mas que já trazia consigo um sorriso brejeiro.

Brejeiro, desconfiado e teimoso. Até hoje.

Cabelos lisos e negros combinavam com os expressivos olhos de jabuticaba.

Adorava manga e não se contentava em apenas ter sua lambuzada companhia amarela. 
Sua energia de criança criava corpo quando se via diante de um pé, e carinhosamente o beijava.

Fosse num quintal alheio, fosse numa avenida de todos, era só a mãe se distrair, e lá estava ele a escalar a árvore feito um Everest.

O tempo passou e tomou gosto não só pelos montes, mas também pelas cordilheiras, pelos arrecifes, pelas planícies, pelos relevos. Apaixonou-se tanto pelas terras áridas e desertas do sertão, como pelas geleiras da Antártida.

Os anos vingaram e virou professor de menino.

Menino que um dia ele foi. Menino que hoje não é mais, mas cuja criança lambuzada de manga ainda ocupa um lugarzinho nostálgico, lá no fundo desse coração cigano e amarelo.

Cresceu, e com ele viu nascer o desejo de desbravar novas terras, pisar em novos solos, experimentar novas iguarias, fotografar novas paisagens, viver novos sonhos.

Cresceu e começou a se encantar, mesmo que sozinho, como se sua companhia bastasse, apesar de alguns momentos querer estar com alguém especial para dividir os novos olhares.

O tempo passou, e aquele menino viciado em manga ainda sobe em árvores, mas precisa da ajuda de uma escada, pelo menos até uma certa altura. Depois, ainda resgata aquela criança sapeca e agitada e se aventura na arriscada escalada ao topo do pé de mimosa. 

Continua brejeiro, desconfiado e mais teimoso do que nunca.

Só a fruta mudou.

Lacre





Dentre tantas a escolher, uma em especial lhe chamou a atenção. E dessa vez não foi nem pelo tom, apesar de ser uma amante incondicional das cores.

Num fase complicada da vida, procurava por uma abertura, uma cavidade, uma brecha, uma aresta, um buraco, uma cissura, uma fenda, uma greta.
Pensamentos confusos e carências latentes a levaram a uma porta que pensava fosse conhecida.

Ilusão sua!

Ansiava por um (re)começo, um rasgão, um acesso, uma passagem, um atalho, uma trilha.

Sonhava com um umbral que se materializasse e a levasse pela mão ao seu interior.


Decidida, parou de buscar fora o que na verdade sabia que estava dentro. 

Não no outro, mas nela própria.

Diante da porta verde de número 8, não se reconheceu. A porta literalmente não falava a sua língua. Sem compreender, se sentiu incompreendida. E a comunicação se desfez. Não se fez.

A entrada não aconteceu. A transição foi interrompida. Bloqueios se instalaram.

Diante de uma porta estrangeira, ela recuou e voltou para suas origens.

Se agarrou ao bê-a-bá da mãe e gritou por socorro! Sua criança interior precisava de colo.

De repente, a porta se abriu. Mas aí já era tarde! 

Ela tinha se trancado dentro de si e jogado a chave fora.

Graça




Eram jovens. Muito jovens.

Ela nasceu Mariana. 

Ele se fez João, numa juventude inocente feito solo imaturo, pobre em letras, mas rica em valores.

As terras, longínquas, eram feito sonho não realizado, onde as sementes eram jogadas ao solo com tanto amor, que lindamente brotavam e eram colhidas com água na boca, por mãos amarelo-manga. 

Uma lindeza só!

Uma delicada mistura de ingenuidade, pureza, inocência e graça.

Setembro chegou, e com ele, as tão esperadas 18 primaveras!

E floresceram.
E perfumaram.
E coloriram.

De graça, a felicidade era encontrada em todo vaso de barro, mesmo sem flor, e apesar da pouca idade, o sonho germinou.

E regado, tornou-se realidade.

Feito uma graça, uniu mãos em prece.

E agradeceu.

Ana nasceu.

Noite funda



Um gato caminha pela rua de pedras ainda molhadas, na cidade iluminada pelos lampiões.
E a madrugada chega, na companhia não muito bem-vinda da neblina, que torna o cenário ainda mais úmido.
Úmido, indigesto e assustador.
O negro do céu se apresenta iluminado apenas pelas tímidas chamas que o curto pavio da lanterna sugere.
Mulheres, no melhor dos seus longos e espalhafatosos vestidos, oferecem insinuantes decotes nas calçadas. 
Homens embebedados pela noite que cambaleava, tentam alcançá-las, mas tudo que suas mãos conseguem tocar é o ar, que de puro, nada tinha.
Canções enjoadas são entoadas por instrumentos já tontos.
Do outro lado da rua, Tango, cabisbaixo a vagar, descompassado.
Brigou com Tequila.
E no auge de sua fúria, lembrou de Morgana, prima da Miucha, sua cachaça para as horas de desalento.
Na frente daquele bar. De ressaca.
Pelo macio, branco e olhos azuis. No momento, avermelhados pelo etílico alheio, mas cujas lágrimas de estrangeiro nada trazia.
Apesar do coração felino e arredio, mais uma noite cria raízes.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Sala de Espera




O sofá é azul, espaçoso e aconchegante, e eu e algumas colegas charmosamente descansamos, espalhadas sobre ele.
 
Exibida que só, estou de xadrez (azul, branco e vermelho), e me sobressaio dentre as demais, que revestidas com pouca cor, tem sua timidez destacada pelo cinza, preto e marrom. 
Ali permanecem, mudas e inertes, praticamente sem atitude perante os que sentam e levantam a todo momento.

Em geral sou alegre e tranquila, mas às vezes o medo e a escuridão me assombram.


Saindo da minha zona de conforto, de vez em quando percebo que deixo o ordinário e é como se me mantivessem num armário, onde apenas uma porta fechada me protege da minha própria nudez.


Mas, como depois de uma tempestade, o sol volta a brilhar, 
retorno ao meu dia-a-dia ainda mais feliz, cheirosa e radiante.
  Modéstia à parte, sou super fofa, apesar de alguns insistirem que estou um pouquinho acima do peso.  Ousada e atrevida, quando não estou no colo de alguns, que adoram me apertar, me apalpar e me abraçar, ainda suporto o peso daqueles que em mim se apoiam. 

Mas tudo bem! Afinal de contas, me emociona e me sensibiliza este lugar. As luzes da entrada, a recepção, os corredores gelados e uma placa em especial indicando a ala dos pequeninos. 
Olho pra minha vida, assumo o meu papel, e quando uma criança vem correndo, me joga no chão e tenho que ficar literalmente esmagada por uma cabeça cujo corpo se debruça sob a maciez do tapete, para ali ficar por horas, enfeitiçada, respiro aliviada por estar fazendo o bem.
 
A tela da velha TV exibe mais um desenho animado.

domingo, 20 de agosto de 2017

Deixando o silêncio falar



Ah! Diria ela, no auge dos seus 34 anos! 

Essa vida é realmente muito engraçada, surpreendente, mutante, efêmera, esdrúxula até!

Nunca imaginou que a essa altura da vida, lá estaria ela, numa ansiedade absurda, correndo atrás de pensamentos confusos, e olhos e ouvidos perdidos voltados para as mãos.

Fez 35 anos e se deu de presente um aparelho de última geração. Em pouco tempo, cada ruído sinalizando a chegada de nova mensagem era como um voo de uma borboleta a mais no seu estômago.

Enviando um whatsApp, ele precisava chegar. Chegando, precisava ser lido. Lido, precisava ser respondido e chegou uma hora que ramalhetes de flores virtuais já não eram suficientes. Pronto! Ao resolver criar algo, ao invés de escolher um porco, para que pelo menos tivesse o bacon, criou expectativa. Alimentou uma ilusão, e a frustração veio de brinde. Presente de grego!

Louca por palavras, principalmente as escritas,é alimentada por elas e as traz consigo numa relação de profunda conexão e cumplicidade. Mas precisa entender, de uma vez por todas, que nem todos são assim. Aliás, pouquíssimos são assim!

E vê sua sensação de tempo livre crescer. Tempo para suas leituras, para suas artes, para sua música, para sua dança, para o chá inglês com as amigas, para os cinemas, para os parques, para seus voos e para seus passeios na companhia dos seus versos. 
Um tempo dedicado a ela, pra ela, dela!

Certo dia saiu, e voltou diferente. Firme, decidida a não sofrer mais por antecipação, por preocupação, por falta ou excesso de ação.

Amanheceu e acordou com vontade de se "desintoxicar". 
Sim! Detox de vida!

Dentre tantas mensagens recebidas, uma alertava para os encantamentos malucos que de repente acontecem na vida, 
perigosos feito drogas.

Nos sacodem, gritam que estamos vivos, nos chamam a experimentar sensações e sentimentos até novos ou há muito não sentidos, 
e quando você vê, acaba querendo mais, mais e mais!!!!

Começa com o frio na barriga, acelera os batimentos cardíacos, um desejo de posse, um controle, um querer estar junto, um frisson que altera o nível de consciência de alguma forma, feito uma substância que te leva ao máximo prazer e depois te derruba sem piedade.

Serenou! Por alguma razão percebeu que seu coração ainda não está preparado para lidar com tanta adrenalina em forma de tamanha montanha russa.

E se voltar a usar essa "droga", que seja com a moderação necessária para não tirar seus pés do chão.

Ao longo dos seus 35 anos de idade, já teve algumas amostras grátis embaladas em forma de paixão. Adorou a embalagem e o laço vermelho, mas o conteúdo ainda lhe cai indigesto.

Nada que uma xícara de chá de boldo não resolva e seguiu, 
deixando o silêncio falar.


terça-feira, 1 de agosto de 2017

Varinha de Condão






E num passe de mágica, a vida lhe sorriu novamente.

A varinha de condão, resgatou seu pirlimpimpim, seus olhos tornaram a brilhar e a menina de longos cabelos cacheados foi convidada a sonhar novamente.

Aceitou o convite.

Os velhos caminhos de todo dia agora se apresentavam floridos e novinhos em folha e as abelhas 
a cumprimentavam com doce "bom dia".

Medos. Incertezas. Diferenças. Riscos e Petiscos.

Mas o hoje estava gritando aos seus ouvidos para vivê-lo.

O ontem já deu adeus.

Mas o amanhã lhe acenava. 

Nas mãos, um lencinho branco paz 
e outro, verde esperança.













Cor & Ação




E quando você menos espera, 
o coração velho de guerra volta a bater mais forte.
E a vida dá pulos, dá saltos e cambalhotas.
Um suspiro, um beijinho, um brigadeiro, um cajuzinho, e a vida volta a ficar mais doce.
Borboletas no estômago sugerindo metamorfoses.
Pássaros cantando. 
Músicas embalando. 
Dedos teclando. 
Paisagens ilustrando.
Exemplos pulsando.
Sonhos nascendo.
Esperanças renascendo.
Sorrisos contagiando.
Entusiasmo se instalando.
Sol brilhando.
Estrelas surgindo.
Energia fluindo.
Canções.
Embalos.
Mensagens. 
Sonhos.
Paisagens. 
Esperanças. 
Bagagens.
E tudo fica mais leve,
como um olhar amoroso diante de um novo horizonte.
Pura magia.
Divina poesia.



Tempo





O tempo passa e não avisa. 
Assim, diante dos olhos da gente.

E quando menos se espera, aquela bela paisagem não volta mais.
Ficou lá atrás, num passado distante.

E se você não eternizou o momento, 
o coração seguirá com uma batida a menos. 

Uma peça de um quebra cabeça que nunca mais será completo e 
faltará sempre um pedaço.

Uma pedaço, uma peça, um coração, um click, uma paisagem, um passado, um aviso, um coração, um tempo.

Um tempo que não volta mais.


domingo, 28 de maio de 2017

Anjos pra sempre

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Très chique e diretamente de Paris, recebi pelo whatsApp uma linda e colorida obra de arte, feita por minha irmã de alma que brilha por um período na Cidade Luz, e entendi que o título era SOPRANDO.

Diante disso, iniciei o dia inspirada a falar sobre o SOPRO e a primeira coisa que me veio à cabeça foi uma vela, seja de um aniversário ou de uma oração.

A primeira motivação foi falar da vida, da celebração, do assoprar aliviando uma dor, e foi aí que o texto tomou outro rumo.

De repente chega uma notícia muito triste envolvendo um trágico acidente e a partida de duas anjas, filhas de uma mãe que vi crescer, e que apesar de não conviver mais com ela, as lembranças ainda pulsam e muitas histórias boas ainda se mantem vivas.

E aí o coração doeu e não houve sopro que aliviasse a dor.

O dia de céu azul de repente se tornou cinza aqui dentro e o nó na garganta custou a se desfazer.

Duas vidas tiradas de uma mãe ainda jovem, cheia de energia e de sorrisos com covinhas.

Duas preciosidades na vida dessa moça que precisará de muita força e muita espiritualidade para trazer novamente brilho aos seus dias.

E no meio de tudo isso me vem a palavra EMPATIA, que é o colocar-se no lugar do outro, e fazendo isso, a ferida dói ainda mais a ponto de não se ter ideia quanto a uma cicatrização.

Fico lembrando do sorriso dela e imagino que ele demorará um pouco a retornar. Partiu junto com as filhas e deu lugar a um lamento e a um vazio que precisarão de tempo. Tempo, aceitação e mais tempo.

Não conheci as crianças, mas conheci a mãe.

Que ela continue forte, assim como a mulher que se tornou, como os equinos por quem se apaixonou, como seu grito e sua vontade que sempre tiveram vez e voz. 

E que DEUS se encarregue do resto!